Ultimamente nossos olhos tem se encontrado demasiadamente, digo de-ma-si-a-da-men-te como uma forma de enriquecer o que escrevo, mas no puro da palavra é: nossos olhos têm se encontrado com mais frequência: a gente se olha e se vê. Hoje você me olhou diferente, sorrimos mais largo e havia alguma espécie de cumplicidade em nossos olhares, embora eu não saiba dizer em palavra o que era: Havia a sensação de algo suspenso. Como quem volta no tempo, sei que não conseguimos suportar nossos olhos um dentro do outro por um tempo longo, suas mãos começaram a tremer e eu mantive uma certa frieza que não era fria: Era uma sensação de quase alegria de ver - ou pensar ver - que de alguma forma minha presença te afetava. Você ficou confusa, falou rápido sobre coisas que demandavam algum tempo e eu só disse: tá tudo bem. Você então sorriu, sorrimos juntas. Dava pra ver que você tinha pressa, não daquelas pressas desconfortáveis ou do tipo que há algo muito mais importante a se fazer. Era
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Já faz horas que o vizinho segue andando pelo quintal, arrastando seus chinelos como se tivesse 90 anos e não conseguisse levantar as pernas. E a cada passada, sinto um ódio percorrendo todo meu corpo. Tenho vontade de gritar: Levante os pés, pelamordedeus ! Mas não grito, fico engasgada. Como me engasgo antes de te escrever. Não vim falar sobre vizinhos ou sobre passadas pesadas ou sobre pessoas de 90 anos, vim escrever sobre você. Ou sobre mim. Ou sobre a gente: Que talvez seja algo que eu nunca saiba como será além do que escrevo. Os tempos estão mudados, já sabemos disso. Mas queria dizer que os tempos estão dolorosamente mudados. O medo está por todos os lados, já faz tempo. Eu, por exemplo, sinto medo o tempo todo. Não sei como parar. “ Mensageiro natural de coisas naturais Quando eu falava dessas cores mórbidas Quando eu falava desses homens sórdidos Quando eu falava desse temporal Você não escutou ” (Janela lateral – Clube da Esquina) Não há amor onde há medo
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Faltam 29 dias para o ano acabar e as ruas estão enfeitadas de um tipo de nova esperança. Seriam as ruas ou meus olhos? Entre luzes amarelas e o canto dos grilos, te vejo caminhando entre as sombras com sua luz amarela ofuscando os olhos. Às vezes tenho desejo de te amar até-esgotar-o-tempo e te ver escorrer pelos meus dedos e então desaparecermos você e eu. Desaparecermos. Evito viver a poesia que me atravessa, observo os homens e seus picos de testosterona andando pelas ruas como quem vive uma guerra, as crianças de uniforme escolar, a poeira, a neblina, vejo todas as coisas, mas me recuso a ver a poesia. POESIA substantivo feminino 1 . arte de compor ou escrever versos. Percebe? Poesia se faz, não se vive. Escute o que digo: Esse é um caminho muito perigoso: Como o brilho da tua pele ou o desenho dos teus cabelos caídos sobre o rosto. Faltam 29 dias para o ano acabar e as ruas estão enfeitadas de um tipo de nova esperança. Seriam as ruas?