Já faz horas que o vizinho segue andando pelo quintal, arrastando seus chinelos como se tivesse 90 anos e não conseguisse levantar as pernas. E a cada passada, sinto um ódio percorrendo todo meu corpo. Tenho vontade de gritar: Levante os pés, pelamordedeus! Mas não grito, fico engasgada.

Como me engasgo antes de te escrever.

Não vim falar sobre vizinhos ou sobre passadas pesadas ou sobre pessoas de 90 anos, vim escrever sobre você. Ou sobre mim. Ou sobre a gente: Que talvez seja algo que eu nunca saiba como será além do que escrevo.

Os tempos estão mudados, já sabemos disso. Mas queria dizer que os tempos estão dolorosamente mudados. O medo está por todos os lados, já faz tempo. Eu, por exemplo, sinto medo o tempo todo. Não sei como parar.

Mensageiro natural de coisas naturais
Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou

(Janela lateral – Clube da Esquina)

Não há amor onde há medo.

Pode parecer trágico, lendo isso de uma forma separada do que sinto, mas como posso escrever as coisas que sinto sem que o sentimento original perca sua forma e vire apenas um-texto-passível-de-interpretações-errôneas?

O amor nunca foi algo que coubesse em uma caixa, em uma dissertação ou em discursos cheio de cagação de regras, como os que vivemos e vemos e vivemos e vemos: Quero te amar além da curva.

Quero te amar do jeito antigo.

Quero me declarar de joelhos e ser inapropriada (porque é esse o nome que dão hoje aos amantes irremediáveis). Quero sentir seu cheiro e sentir meus joelhos dobrarem delicadamente diante da sensação mais sem nome que existe. Quero teu gosto na minha boca e nenhuma promessa, nenhum passado, nenhum futuro. Quero o hoje com você.

Passei o dia te procurando, olhava para os lados e pensava: Pode ser que seja hoje. Não foi ontem, quase foi, poderia ter sido, mas já me cansei de olhar pra trás, quero você AGORA materializada na minha frente, sorrindo com uma garrafa de vinho que não terminaremos de tomar.

Mas sei, diante da realidade que me foge a cada gole de cerveja, que não será hoje nem amanhã. Nem sei se algum dia será.

Que grande desperdício não nos amarmos! Nós não deveríamos nos poupar dos amores, não deveríamos seguir as regras inventadas por algum acadêmico cansado que nunca sentiu os joelhos se dobrarem delicadamente diante da sensação mais sem nome que existe.

Que desperdício é você não se perder no meu corpo.

Que desperdício sou eu, sem me perder em você.

Te escrevo porque o silêncio não me cabe, embora seja o silêncio destinado a mim nesse momento. Te escrevo como um grito silencioso que você não vai ouvir.

Vejo teu rosto diante dos meus olhos e sei que tudo isso que digo, que desejo, que alimento pode não ser nada real. Quando foi que deixamos de o que não tem nome nem regra? Basta o desejo existir e já é tudo, o amanhã que não existe. Te quero agora, hoje. Te quero todo dia hoje.

Estou ficando cafona e previsível, mas a dores dos amantes sempre rimam. Ou rimavam.

Que desperdício você não se perder no meu corpo.

 

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